HAMLET

Ser ou não ser? Eis a pergunta que nós fazemos todos os dias.
O premiado diretor Marcus Alvisi, mais uma vez à frente de uma montagem de formatura, reflete sobre esta importante questão com os alunos que agora terminam o Curso de Formação Profissional de Atores da CAL–CASA DAS ARTES DE LARANJEIRAS.
Mergulhando num dos mais conhecidos textos do célebre autor William Shakespeare, este grupo de jovens atores têm a oportunidade de vivenciar, em ótima companhia, a experiência de, pela primeira vez, pisarem o palco com atores profissionais.
Que a bagagem dos anos na escola e, agora, o contato com toda esta criativa equipe técnica, os ajude a responder a pergunta:ser ou não ser ator? Que a resposta seja corajosa, entusiasmada e afirmativa, é o que desejamos.

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Nosso Hamlet

Quando começo um projeto de teatro, procuro fazer três perguntas que são inevitáveis nos tempos de hoje, com tamanha variedade de estilos.
Pra que? Pra quem? Por quê montar tal texto? Tratando-se de HAMLET, de W. Shakespeare, o texto mais comentado e emblemático do teatro universal, tudo nos parece mais complicado. "Seu título tem um significado mesmo para aqueles que nunca ouviram falar do bardo, ou nunca entraram em um teatro."
"Ian Kotc fala que a bibliografia das teses e dos estudos sobre Hamlet daria um volume com o dobro de espessura da lista telefônica de Varsóvia."
E ainda; "Muitos são os problemas contidos em Hamlet: a política, a violência e a moral, a disputa sobre a unidade de significado da teoria e da prática, sobre a finalidade e o sentido da vida; é uma tragédia de amor, uma tragédia familiar, nacional, filosófica, escatológica, e metafísica. Tudo que quisermos! E é, além do mais, um espantoso estudo psicológico. E uma sangrenta maquinação, um duelo, uma grande carnificina. Podemos escolher. Mas precisamos saber com que fim e por que razão escolhemos".
Penso que a escolha de um texto é também intuitiva. Parece que tudo já foi feito a partir desta obra. E parece que tudo está ainda por fazer a partir desta obra, tamanha a amplitude que suas palavras alcançam. Então as três perguntas acima se tornam ainda mais complexas. Ou mesmo paradoxais!
O nosso Hamlet será uma tragédia familiar. Uma tragédia sobre a cisão deste elo entre mãe e filho, sobre o amado e a amante. E tudo que segue daí.
A ruptura destes laços que não se rompem tão facilmente sem deixar vestígios. Será a tragédia sobre a perda da inocência. De um homem que foi forçado a envelhecer ainda muito jovem.
"É verdade, eu vivo num tempo sem sol. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ri, ainda não recebeu a terrível notícia". Diz um poema de Brecht.
Ninguém pode duvidar que vivemos num tempo sem sol, neste exato momento em que escrevo este texto para nosso programa. Estamos todos irremediavelmente no limiar de algo aterrorizador. Todos nós podemos experimentar a solidão deste personagem nestes tempos sombrios em que vivemos.

" ... Nosso tempo está desnorteado. Maldita a sina que me fez nascer um dia pra consertá-lo!"
Ato I, Cena V.

Só por esta frase teríamos motivação suficiente para montar este texto. Temos uma mesa como cenário para contar esta história. Tudo deve girar em volta dela. A mesa é uma expressão significativa do universo familiar. Ela vai se desdobrar em muitos espaços. Será torre, cova, corredor, quarto, salão, e finalmente mesa. Um grande autor sempre nos oferece infinitas possibilidades de leitura e releitura através de sua obra. Com certeza não podemos nos esquecer destas possibilidades neste texto, e a dimensão do eterno em toda sua obra.
Como será o nosso Hamlet? Como fazê-lo? Qual será a nossa escolha) Eis a questão!? Sempre que leio esta peça, me deparo com o dilema de que Hamlet não estava preparado para tal fardo. Por isso, insisto que o nosso Hamlet, seria um jovem que teve que envelhecer a todo custo ainda muito cedo. A cada cena, nosso jovem príncipe sem que se desdobrar, para levar às últimas consequências este fardo que o destino sombrio lhe reservou, através da aparição e as revelações do espectro. O nosso Hamlet será o Hamlet do novo milênio, tentando se manter alvo em meio à lama. Ele será muito incômodo, inconformado, como todos deveríamos ser nestes tempos sombrios.

"Existe algo de podre no Reino da Dinamarca" Marcelo, Ato I Cena IV

Ian Kott diz mais " ... que é impossível representar Hamlet apenas. Talvez aí esteja a razão por que ele exerce um tão poderoso fascínio sobre o encenador e ator. Muitas e muitas gerações encontraram nele os seus sentimentos. Que nele nos possamos observar, como num espelho, neste fato reside o caráter genial de Hamlet. Um Hamlet perfeito seria, ao mesmo tempo, o mais Shakespeariano e o mais contemporâneo".
Coube a mim dirigi-lo outra vez. Poderia montar essa peça infinitamente, e teria sempre algo a descobrir. Amo apaixonadamente este texto! Suas palavras me alimentam a cada ensaio. Dão-me forças para poder resistir neste nosso tempo; cão lúgubre!
Agora, Elsinor se situa no Jardim Botânico. Exatamente na Lopes Quintas. Pena que por tão pouco tempo. Hamlet, Cláudio, Polônio, Horácio, Laertes, Ofélia, Rosencrantz e Guildenstern, Osirc, Marcelo, Francisco, Reinaldo, Bernardo e atores, coveiros, damas e cavalheiros serão encarnados pelos alunos formandos da CAL. Atores talentosos e dedicados que merecem esta experiência através da obra de Shakespeare. Espero que cumpramos a tarefa de contar bem esta história maravilhosa. Que estas palavras tenham ressonância sobre nós. Sobretudo que possamos encontrar através do Hamlet, os nossos sentimentos. Mais uma vez agradeço a CAL pela oportunidade.

"0 resto é silêncio" Hamlet, Ato V Cena II

Marcus Alvisi